Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar…
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p’ra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente está pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
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Fernando Pessoa. In: Poemas de Fernando
Pessoa. Sel., pref. e posf. de Eduardo
Lourenço. Lisboa: Visão / JL, 2006, p. 21-22.
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Artista: Lélia Parreira Duarte.
Título do quadro: A ceifeira.
Técnica: Acrílica sobre tela.
Dimensões: 180 cm x 80 cm.
2010.